Alguns de vocês devem saber que além do Ando Jogando, tenho dois tumblrs de games voltados à imagens: o Videogame Awkwardness e o Game + Art. Tenho um carinho muito grande tanto por este blog quanto pelos tumblrs, porém, decidi unificar todos em um único tumblr.
O nome continua Ando Jogando, porém agora, além dos artigos semanais (ou quinzenais, dependendo da minha vontade/estado de espírito/disponibilidade), haverá imagens, vídeos, músicas e tudo o mais relacionado à game design e game cultura. Vai ser uma mistura do besteirol do VGA com o lado mais sóbrio do Ando Jogando e do Game + Art.
Portanto, para quem curte o Ando Jogando, peço que abandonem este blog acessem a partir do novo endereço:
http://andojogando.tumblr.com
Com o tempo, vou transferir todo o conteúdo daqui para lá e, a partir desta semana, já prepararei novos artigos. Ainda estou em fase de mudanças, portanto, não estranhem se algo soar estranho.
Te vejo por lá :)
sábado, 17 de abril de 2010
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Análise de Cave Story (WiiWare) para o UOL Jogos
Cá está a minha análise de Cave Story para o UOL Jogos, um dos jogos de plataforma mais simpáticos que já joguei. Game design minimalista e funcional.
Uma curiosidade: meu avatar na revista NGamer (a imagem que aparece logo após o final de cada review) é justamente o protagonista do jogo, Quote :)
Leiam:
http://jogos.uol.com.br/wii/analises/cavestory.jhtm
Uma curiosidade: meu avatar na revista NGamer (a imagem que aparece logo após o final de cada review) é justamente o protagonista do jogo, Quote :)
Leiam:
http://jogos.uol.com.br/wii/analises/cavestory.jhtm
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Três coisas irritantes dos jogos de mundo aberto
Sabe o que mais me chateia nos jogos de mundo aberto? Saber que minha experiência com o jogo, em termos de estrutura, exploração e informação, pode ser basicamente a mesma que tive com o último jogo de mundo aberto que eu joguei. Experimente jogar dois, três sandboxes seguidos e você perceberá que gastará metade do tempo (ou mais) fazendo exatamente as mesmas coisas irritantes que você fazia no jogo anterior. Pretendo citar aqui algumas delas, tal como exemplos de bons jogos que as evitam de forma inteligente.
O último jogo de mundo aberto que joguei foi Brütal Legend, o qual terminei há algumas semanas. Embora a temática heavy metal não desperte muito interesse em mim, como fã assumido do designer Tim Shafer, não poderia deixar de jogar. Para a minha surpresa, amei a abordagem do tema e o universo inspirado na cultura dos headbangers. Até a trilha sonora, que em um primeiro momento achei que iria me incomodar, me agradou e se encaixa perfeitamente com o clima do jogo. E seu humor, marca registrada de Shafer (tal como de seus contemporâneos da TellTale), faz deste um dos jogos mais engraçados dos últimos anos.
Mas não quero abordar as qualidades de Brütal Legend nesse texto. Quero questionar esses elementos estruturais dos jogos de mundo aberto, que tanto vêm me incomodando nos últimos anos. Brütal Legend, como o conjunto da obra, é um jogo bom, mas se nos apegarmos apenas à maneira como ele é estruturado, temos um bom exemplo de como um jogo de mundo aberto não deve ser. Para facilitar a minha e a sua vida, vou me focar apenas a jogos mais recentes.
Aí vamos nós:
● Distribuição de itens
Convenhamos, a ideia de distribuir toneladas de objetos colecionáveis por toda a extensão do mapa do jogo (que geralmente correspondem a dezenas ou centenas de quilômetros quadrados de espaço virtual) pode ser uma péssima maneira de incentivar o jogador a explorar todo o cenário de um jogo, além de ser um dos primeiros itens do atestado de falta de criatividade de todo game designer.
- Os irritantes: Brütal Legend, Assassin's Creed II
Centenas de itens espalhados aleatoriamente pelo cenário, os quais o jogador apenas coleta/ativa se, por acaso, estiver passando por ali e avistar o objeto. A recompensa não é boa o suficiente para que ele se dedique a procurá-los um a um. E mesmo se ele optar por fazer isso, sair andando a esmo pelos cenários, na expectativa de encontrar itens por aí, é uma tarefa enfadonha e um belo atraso de vida.
- O competente: Metroid Prime (série)
A distribuição dos objetos colecionáveis foi pensada em sintonia com o level design, gerando uma exploração interessante para o jogador. De acordo com seu progresso e performance, as informações no mapa são abertas, sendo possível localizar itens importantes (como obtê-lo, depende da astúcia do jogador), evitando que ele perca tempo gastando as solas das botas metálicas da Samus. Além disso, os itens oferecem boas recompensas ao jogador.
● Estrutura de missões
Por serem opcionais, muitas vezes os desenvolvedores não dão muita atenção às missões paralelas. Porém, elas também são responsáveis pela sensação de liberdade e variedade que o jogador têm com os jogos de mundo aberto. Afinal, o que você faz se não está realizando uma missão principal ou andando aleatoriamente pelo mapa? Procura uma missão parelela, seja para ganhar experiência/pontos/melhorias, seja para se divertir um pouco.
- Os irritantes: Brütal Legend, Prototype, Assassin's Creed (o primeiro), Just Cause, Far Cry 2
Jogue pouco mais de duas ou três horas destes jogos e você perceberá que: 1. Existem pouco mais que cinco tipos de missões secundárias; 2. Cada tipo possui de cinco a dez missões, espalhadas por toda a extensão do jogo; 3. Cada missão é exatamente a mesma que a anterior, só que realizada em outro local do mapa; 4. As ações realizadas em todas as missões não diferem em absolutamente nada das ações já feitas nas missões principais (isto é, nenhuma novidade); 5. Os designers não fazem a menor questão de esconder que, na verdade, são sempre as mesmas missões; 6. Elas se tornam chatas assim que você percebe que está se sujeitando à falta de criatividade dos game designers; 7. Você só as cumpre porque elas te dão alguma recompensa, mas no fundo, você não faz a mínima questão de jogá-las.
- Os competentes: GTA IV, InFamous
Em GTA IV, algumas missões paralelas definem a relação que você tem com os personagens secundários, o que pode influenciar diretamente na realização de determinadas missões principais. Outras possuem a mesma riqueza de narrativa que as missões obrigatórias - uma forma de recompensar o jogador. Por mais que você perceba um padrão de repetição depois de um tempo, elas continuam divertidas. Já em InFamous elas parecem menos polidas, mas trazem uma variedade louvável de objetivos e situações, que exploram diversos aspectos das mecânicas de jogo e possibilidades (pontaria, reflexo, velocidade, precisão etc.), além de recompensar o jogador devidamente.
● Aproveitamento do espaço virtual
Mundos gigantescos podem soar como um bom apelo para jogadores sedentos por exploração. Mas de nada adianta botar o jogador em cenários abertos com quilômetros de extensão se você só encontrar algo realmente relevante e divertido para fazer a cada cinco minutos. É como ir a um parque de diversões gigantesco e atraente em que os brinquedos possuem uma distância mínima de 500 metros, exigindo que você passe mais tempo percorrendo os cansativos trajetos entre eles do que se divertindo de fato.
- Os irritantes: FUEL, Just Cause (o primeiro, pelo menos)
Ambos os jogos partem da ideia de que um mundo vasto, lindo e gigantesco é interessante o suficiente para ganhar a atenção do jogador, mas esquecem de inserir o que realmente importa no jogo: possibilidades de ação e decisões significantes. E outra: qual é a graça em destravar uma nova missão do outro lado do mapa e levar meia hora para chegar até lá?
- Os competentes: Fallout 3, GTA IV, Dead Rising
Não importa onde você esteja no mapa destes jogos, todos ofecem uma enorme variedade de possibilidades. Algumas podem ser mais interessantes e significantes que outras, mas você nunca se vê sozinho, isolado, em um campo aberto e sem ter o que fazer. E mesmo se isso acontecer, basta alguns passos para que algo logo lhe chame a atenção e um novo objetivo seja estabelecido.
O último jogo de mundo aberto que joguei foi Brütal Legend, o qual terminei há algumas semanas. Embora a temática heavy metal não desperte muito interesse em mim, como fã assumido do designer Tim Shafer, não poderia deixar de jogar. Para a minha surpresa, amei a abordagem do tema e o universo inspirado na cultura dos headbangers. Até a trilha sonora, que em um primeiro momento achei que iria me incomodar, me agradou e se encaixa perfeitamente com o clima do jogo. E seu humor, marca registrada de Shafer (tal como de seus contemporâneos da TellTale), faz deste um dos jogos mais engraçados dos últimos anos.
Mas não quero abordar as qualidades de Brütal Legend nesse texto. Quero questionar esses elementos estruturais dos jogos de mundo aberto, que tanto vêm me incomodando nos últimos anos. Brütal Legend, como o conjunto da obra, é um jogo bom, mas se nos apegarmos apenas à maneira como ele é estruturado, temos um bom exemplo de como um jogo de mundo aberto não deve ser. Para facilitar a minha e a sua vida, vou me focar apenas a jogos mais recentes.
Aí vamos nós:
● Distribuição de itens
Convenhamos, a ideia de distribuir toneladas de objetos colecionáveis por toda a extensão do mapa do jogo (que geralmente correspondem a dezenas ou centenas de quilômetros quadrados de espaço virtual) pode ser uma péssima maneira de incentivar o jogador a explorar todo o cenário de um jogo, além de ser um dos primeiros itens do atestado de falta de criatividade de todo game designer.
- Os irritantes: Brütal Legend, Assassin's Creed II
Centenas de itens espalhados aleatoriamente pelo cenário, os quais o jogador apenas coleta/ativa se, por acaso, estiver passando por ali e avistar o objeto. A recompensa não é boa o suficiente para que ele se dedique a procurá-los um a um. E mesmo se ele optar por fazer isso, sair andando a esmo pelos cenários, na expectativa de encontrar itens por aí, é uma tarefa enfadonha e um belo atraso de vida.
- O competente: Metroid Prime (série)
A distribuição dos objetos colecionáveis foi pensada em sintonia com o level design, gerando uma exploração interessante para o jogador. De acordo com seu progresso e performance, as informações no mapa são abertas, sendo possível localizar itens importantes (como obtê-lo, depende da astúcia do jogador), evitando que ele perca tempo gastando as solas das botas metálicas da Samus. Além disso, os itens oferecem boas recompensas ao jogador.
● Estrutura de missões
Por serem opcionais, muitas vezes os desenvolvedores não dão muita atenção às missões paralelas. Porém, elas também são responsáveis pela sensação de liberdade e variedade que o jogador têm com os jogos de mundo aberto. Afinal, o que você faz se não está realizando uma missão principal ou andando aleatoriamente pelo mapa? Procura uma missão parelela, seja para ganhar experiência/pontos/melhorias, seja para se divertir um pouco.
- Os irritantes: Brütal Legend, Prototype, Assassin's Creed (o primeiro), Just Cause, Far Cry 2
Jogue pouco mais de duas ou três horas destes jogos e você perceberá que: 1. Existem pouco mais que cinco tipos de missões secundárias; 2. Cada tipo possui de cinco a dez missões, espalhadas por toda a extensão do jogo; 3. Cada missão é exatamente a mesma que a anterior, só que realizada em outro local do mapa; 4. As ações realizadas em todas as missões não diferem em absolutamente nada das ações já feitas nas missões principais (isto é, nenhuma novidade); 5. Os designers não fazem a menor questão de esconder que, na verdade, são sempre as mesmas missões; 6. Elas se tornam chatas assim que você percebe que está se sujeitando à falta de criatividade dos game designers; 7. Você só as cumpre porque elas te dão alguma recompensa, mas no fundo, você não faz a mínima questão de jogá-las.
- Os competentes: GTA IV, InFamous
Em GTA IV, algumas missões paralelas definem a relação que você tem com os personagens secundários, o que pode influenciar diretamente na realização de determinadas missões principais. Outras possuem a mesma riqueza de narrativa que as missões obrigatórias - uma forma de recompensar o jogador. Por mais que você perceba um padrão de repetição depois de um tempo, elas continuam divertidas. Já em InFamous elas parecem menos polidas, mas trazem uma variedade louvável de objetivos e situações, que exploram diversos aspectos das mecânicas de jogo e possibilidades (pontaria, reflexo, velocidade, precisão etc.), além de recompensar o jogador devidamente.
● Aproveitamento do espaço virtual
Mundos gigantescos podem soar como um bom apelo para jogadores sedentos por exploração. Mas de nada adianta botar o jogador em cenários abertos com quilômetros de extensão se você só encontrar algo realmente relevante e divertido para fazer a cada cinco minutos. É como ir a um parque de diversões gigantesco e atraente em que os brinquedos possuem uma distância mínima de 500 metros, exigindo que você passe mais tempo percorrendo os cansativos trajetos entre eles do que se divertindo de fato.
- Os irritantes: FUEL, Just Cause (o primeiro, pelo menos)
Ambos os jogos partem da ideia de que um mundo vasto, lindo e gigantesco é interessante o suficiente para ganhar a atenção do jogador, mas esquecem de inserir o que realmente importa no jogo: possibilidades de ação e decisões significantes. E outra: qual é a graça em destravar uma nova missão do outro lado do mapa e levar meia hora para chegar até lá?
- Os competentes: Fallout 3, GTA IV, Dead Rising
Não importa onde você esteja no mapa destes jogos, todos ofecem uma enorme variedade de possibilidades. Algumas podem ser mais interessantes e significantes que outras, mas você nunca se vê sozinho, isolado, em um campo aberto e sem ter o que fazer. E mesmo se isso acontecer, basta alguns passos para que algo logo lhe chame a atenção e um novo objetivo seja estabelecido.
quarta-feira, 24 de março de 2010
O livro dos avatares
Descobri recentemente um livro que me chamou a atenção: Alter Ego: Avatars and Their Creators, inédito no Brasil e publicado em 2007. Muito antes do fenômeno Avatar, já se questionava a relação entre agentes de interação em mundos virtuais com seus criadores. O filme ajudou a popularizar o tema e, inclusive, soube aproveitá-lo muito bem para a trama. Mas como vocês devem saber, esse debate já acontece há muitos anos, desde o surgimento de Ultima Online, lá pelos ídos de 1997.
O livro, que tem uma abordagem jornalística e não acadêmica, trata da relação entre usuário e avatar. Como é a vida das pessoas que incorporam um personagem em um mundo virtual? O que elas fazem? Do que gostam? Quanto tempo passam jogando? Quais aspectos do jogo elas mais se interessam? O que seus avatares representam para elas? O livro traz o perfil de dezenas de jogadores do mundo inteiro, entrevista com cada um deles, dados e estatísticas de cada pessoa e fotos. Muitas fotos.
É um assunto cada vez mais presente em nossas vidas, que vale a discussão. Afinal, cada vez mais dedicamos tempo em ambientes virtuais, socializando de forma anônima ou não, escondidos sob uma imagem bidimensional que pode ou não nos representar fielmente. Seja em RPGs online e mundos virtuais (que são o foco do livro), como World of Warcraft e Second Life, respectivamente, ou redes sociais como Facebook e Orkut, estamos lidando com esse tipo de representação - curiosamente, com bastante naturalidade.
Segue abaixo fotos dos criadores e suas respectivas criaturas - ou alter egos. O mais interessante é que os autores se preocuparam em selecionar perfis bem variados, o que deve ter resultando em entrevistas bem distintas.
O livro, que tem uma abordagem jornalística e não acadêmica, trata da relação entre usuário e avatar. Como é a vida das pessoas que incorporam um personagem em um mundo virtual? O que elas fazem? Do que gostam? Quanto tempo passam jogando? Quais aspectos do jogo elas mais se interessam? O que seus avatares representam para elas? O livro traz o perfil de dezenas de jogadores do mundo inteiro, entrevista com cada um deles, dados e estatísticas de cada pessoa e fotos. Muitas fotos.
É um assunto cada vez mais presente em nossas vidas, que vale a discussão. Afinal, cada vez mais dedicamos tempo em ambientes virtuais, socializando de forma anônima ou não, escondidos sob uma imagem bidimensional que pode ou não nos representar fielmente. Seja em RPGs online e mundos virtuais (que são o foco do livro), como World of Warcraft e Second Life, respectivamente, ou redes sociais como Facebook e Orkut, estamos lidando com esse tipo de representação - curiosamente, com bastante naturalidade.
Segue abaixo fotos dos criadores e suas respectivas criaturas - ou alter egos. O mais interessante é que os autores se preocuparam em selecionar perfis bem variados, o que deve ter resultando em entrevistas bem distintas.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Heavy Rain: o peso das escolhas
Como eu havia prometido, pretendo continuar abordando Heavy Rain neste artigo, desta vez com um enfoque maior no roteiro e nos dispositivos dramáticos. Também, prometo um texto mais enxuto. E não se preocupe: estou adquirindo o dom de analisar narrativas com o mínimo de spoilers ou com a ausência total deles, como é o caso aqui.
Há alguns meses tive o prazer de ler o excepcional Story, do Robert McKee, livro sobre cinema, roteiro e narrativa. Ao ler o trecho a seguir, fui correndo ao computador transcrevê-lo, sabendo que seria útil algum dia:
"A verdadeira personagem é revelada nas escolhas que um ser humano faz sob pressão - quanto maior a pressão, maior a revelação e mais verdadeira a escolha para a natureza essencial da personagem. Pressão é essencial. Escolhas feitas sem nenhum risco significam pouco. Se uma personagem escolhe contra a verdade em uma situação em que uma mentira não lhe daria nada, a escolha é trivial, o momento não expressa nada. Mas se a mesma personagem insiste na verdade quando uma mentira poderia salvar sua vida, podemos então perceber que a honestidade está no núcleo da sua natureza".
Como já abordei no texto anterior sobre Heavy Rain, o ato de jogar nada mais é do que tomar uma série de decisões. Contudo, em 99% dos jogos, as escolhas feitas pelo jogador estão mais relacionadas à solução dos problemas e desafios propostos pelo jogo do que à trama e conflitos vividos pelo personagem. Em vez de decisões morais, com conseqüências reais, que exploram os limites psicológicos e emocionais de um personagem, os jogos tendem a oferecer escolhas do tipo “que arma devo usar diante desta situação?” ou “aceito continuar e triplicar meus pontos, mesmo sabendo que corro o risco de perder tudo?”.
Heavy Rain se apóia no conceito apresentado por McKee para desenrolar uma complexa trama e nos envolver com os personagens, ao mesmo tempo em que estamos jogando. Até hoje a estrutura mais utilizada para contar uma história e apresentar um personagem nos jogos é através das cutscenes, que acontecem paralelamente ao jogo de fato, como explicado no artigo da semana retrasada. Os momentos em que o jogador está atirando, pulando, correndo, explorando, enfim, atuando, são, geralmente, os menos relevantes para a narrativa, uma vez que apenas conectam o jogador de um ponto a outro da história – ou de uma cutscene a outra, onde a trama geralmente se desenrola. Em Heavy Rain, a atuação do jogador acontece simultaneamente ao desenvolvimento da história – o jogo é a história. Cada decisão tomada pelo jogador incrementa a história em algum nível ou ajuda a compor a personalidade de um personagem.
O jogador absorve tão bem a história de cada ser humano ali presente, se envolvendo com seus conflitos, medos e desejos, que não é de se estranhar que ele queira o melhor para cada um deles. A verdade do personagem, citada por McKee, é a verdade do jogador, mesmo que isso lhe custe a morte. Por isso é natural que as decisões mais difíceis e as sequências que colocam vidas em cheque sejam tão tortuosas, tensas e impactantes. Essa é a prova máxima de como Heavy Rain funciona como uma boa história, por mais que seu roteiro possa apresentar alguns problemas sérios.
Portanto, não faz muito sentido dizer que Heavy Rain não daria um bom filme, uma vez que toda a sua estrutura (incluindo o roteiro) foi pensada levando em consideração a participação do jogador e a tomada de decisões. Heavy Rain não quer ser cinema, apenas utiliza sabiamente dezenas de recursos técnicos e dispositivos de narrativa que o cinema desenvolveu durante mais de um século de história para incrementar a própria experiência interativa e contar uma boa história. Afinal, qual o problema de tomar emprestado alguns elementos de uma mídia tão poderosa para contar histórias enquanto a interatividade é preservada? Ela pode não existir em excesso, como no exemplo anterior de GTA, mas existe em quantidade suficiente para tornar a experiência significante.
A influência do cinema não se limita aos precisos cortes e ângulos de câmera ou ao ritmo da narrativa. Pela primeira vez vemos um jogo em que os personagens são atores de verdade, que não se limitam a dar vida aos personagens apenas através de ações básicas para gerar ciclos de animação, como correr, pular ou durante cutscenes etc. A expressão corporal e facial está presente em quase todas as cenas, dos diálogos mais banais aos momentos de maior tensão. E tudo soa tão natural para nós que, sem perceber, criamos um elo emocional com aquele ser humano. Apesar do roteiro forçar a barra vez ou outra, o que pode causar a quebra da magia da realidade do jogo, o tempo todo estamos vendo personagens com atitudes e comportamentos tão próximos de seres humanos, criados com base em arquétipos (ainda que não esteja totalmente livre dos estereótipos e dos clichês), que nos identificamos com cada um deles.
É inegável que Heavy Rain possui uma série de defeitos ou simplesmente deve em alguns aspectos, mas suas conquistas e qualidades são tão mais evidentes que não há como não reconhecer o título como revolucionário. É como o surgimento de um novo gênero musical. Nos anos 50, com o nascimento do rock, as pessoas não sabiam definir aquele tipo de som pois nunca tinham ouvido algo parecido e acabavam comparando-o com o blues. O mesmo acontece com Heavy Rain, comparado o tempo todo com o cinema, mas que vem sendo compreendido cada vez mais. Não me surpreenderia se mais jogos seguissem esta tendência, refinando o que foi apresentado pelo jogo da Quantic Dream e descobrindo maneiras eficientes para contar boas e maduras histórias. Estamos presenciando o surgimento de um novo gênero: o drama interativo.
Há alguns meses tive o prazer de ler o excepcional Story, do Robert McKee, livro sobre cinema, roteiro e narrativa. Ao ler o trecho a seguir, fui correndo ao computador transcrevê-lo, sabendo que seria útil algum dia:
"A verdadeira personagem é revelada nas escolhas que um ser humano faz sob pressão - quanto maior a pressão, maior a revelação e mais verdadeira a escolha para a natureza essencial da personagem. Pressão é essencial. Escolhas feitas sem nenhum risco significam pouco. Se uma personagem escolhe contra a verdade em uma situação em que uma mentira não lhe daria nada, a escolha é trivial, o momento não expressa nada. Mas se a mesma personagem insiste na verdade quando uma mentira poderia salvar sua vida, podemos então perceber que a honestidade está no núcleo da sua natureza".
Como já abordei no texto anterior sobre Heavy Rain, o ato de jogar nada mais é do que tomar uma série de decisões. Contudo, em 99% dos jogos, as escolhas feitas pelo jogador estão mais relacionadas à solução dos problemas e desafios propostos pelo jogo do que à trama e conflitos vividos pelo personagem. Em vez de decisões morais, com conseqüências reais, que exploram os limites psicológicos e emocionais de um personagem, os jogos tendem a oferecer escolhas do tipo “que arma devo usar diante desta situação?” ou “aceito continuar e triplicar meus pontos, mesmo sabendo que corro o risco de perder tudo?”.
Heavy Rain se apóia no conceito apresentado por McKee para desenrolar uma complexa trama e nos envolver com os personagens, ao mesmo tempo em que estamos jogando. Até hoje a estrutura mais utilizada para contar uma história e apresentar um personagem nos jogos é através das cutscenes, que acontecem paralelamente ao jogo de fato, como explicado no artigo da semana retrasada. Os momentos em que o jogador está atirando, pulando, correndo, explorando, enfim, atuando, são, geralmente, os menos relevantes para a narrativa, uma vez que apenas conectam o jogador de um ponto a outro da história – ou de uma cutscene a outra, onde a trama geralmente se desenrola. Em Heavy Rain, a atuação do jogador acontece simultaneamente ao desenvolvimento da história – o jogo é a história. Cada decisão tomada pelo jogador incrementa a história em algum nível ou ajuda a compor a personalidade de um personagem.
O jogador absorve tão bem a história de cada ser humano ali presente, se envolvendo com seus conflitos, medos e desejos, que não é de se estranhar que ele queira o melhor para cada um deles. A verdade do personagem, citada por McKee, é a verdade do jogador, mesmo que isso lhe custe a morte. Por isso é natural que as decisões mais difíceis e as sequências que colocam vidas em cheque sejam tão tortuosas, tensas e impactantes. Essa é a prova máxima de como Heavy Rain funciona como uma boa história, por mais que seu roteiro possa apresentar alguns problemas sérios.
Portanto, não faz muito sentido dizer que Heavy Rain não daria um bom filme, uma vez que toda a sua estrutura (incluindo o roteiro) foi pensada levando em consideração a participação do jogador e a tomada de decisões. Heavy Rain não quer ser cinema, apenas utiliza sabiamente dezenas de recursos técnicos e dispositivos de narrativa que o cinema desenvolveu durante mais de um século de história para incrementar a própria experiência interativa e contar uma boa história. Afinal, qual o problema de tomar emprestado alguns elementos de uma mídia tão poderosa para contar histórias enquanto a interatividade é preservada? Ela pode não existir em excesso, como no exemplo anterior de GTA, mas existe em quantidade suficiente para tornar a experiência significante.
A influência do cinema não se limita aos precisos cortes e ângulos de câmera ou ao ritmo da narrativa. Pela primeira vez vemos um jogo em que os personagens são atores de verdade, que não se limitam a dar vida aos personagens apenas através de ações básicas para gerar ciclos de animação, como correr, pular ou durante cutscenes etc. A expressão corporal e facial está presente em quase todas as cenas, dos diálogos mais banais aos momentos de maior tensão. E tudo soa tão natural para nós que, sem perceber, criamos um elo emocional com aquele ser humano. Apesar do roteiro forçar a barra vez ou outra, o que pode causar a quebra da magia da realidade do jogo, o tempo todo estamos vendo personagens com atitudes e comportamentos tão próximos de seres humanos, criados com base em arquétipos (ainda que não esteja totalmente livre dos estereótipos e dos clichês), que nos identificamos com cada um deles.
É inegável que Heavy Rain possui uma série de defeitos ou simplesmente deve em alguns aspectos, mas suas conquistas e qualidades são tão mais evidentes que não há como não reconhecer o título como revolucionário. É como o surgimento de um novo gênero musical. Nos anos 50, com o nascimento do rock, as pessoas não sabiam definir aquele tipo de som pois nunca tinham ouvido algo parecido e acabavam comparando-o com o blues. O mesmo acontece com Heavy Rain, comparado o tempo todo com o cinema, mas que vem sendo compreendido cada vez mais. Não me surpreenderia se mais jogos seguissem esta tendência, refinando o que foi apresentado pelo jogo da Quantic Dream e descobrindo maneiras eficientes para contar boas e maduras histórias. Estamos presenciando o surgimento de um novo gênero: o drama interativo.
segunda-feira, 15 de março de 2010
Post relâmpago: conheça os atores de Heavy Rain
Novo post nesta semana, aguardem. Enquanto isso, fiquem com o álbum de Heavy Rain que fiz para o UOL Jogos e conheça os atores principais + alguns coadjuvantes. Chico Flecha agradece!
quinta-feira, 4 de março de 2010
Heavy Rain: game design e narrativa em harmonia
Heavy Rain é um jogo controverso. Não me refiro necessariamente às cenas de sexo, nudez ou consumo de drogas que o título apresenta, mas ao jogo em si. Trata-se de uma experiência de jogo tão diferente daquelas que estamos acostumados que não me surpreende o fato de muitos estarem torcendo o nariz. O ser humano tem a tendência de estranhar e fazer cara feia para tudo que é novo ou simplesmente foge do que estamos habituados. Mas o que acontece de fato quando jogamos Heavy Rain? Aliás, o que é Heavy Rain? Através deste texto, pretendo analisar o jogo sob o ponto de vista do game design e da narrativa. Não é da minha intenção, neste momento, me focar nos elementos cinematográficos. Vale lembrar também que evitei os spoilers ao máximo, contudo, cito algumas passagens do jogo.
A controvérsia começou quando o próprio diretor e roteirista do jogo, David Cage, referiu-se a Heavy Rain como uma espécie de filme interativo. Apesar da aclamação geral pela maior parte da crítica especializada, alguns veículos se mostraram pouco favoráveis às ideias e experiência do jogo. Alguns o descrevem como uma mera evolução de Dragon's Lair ou como uma coletânea de Quick Time Events. Mas, afinal, Heavy Rain é um jogo ou um filme?
A resposta parece óbvia, mas é um pouco nebulosa: Heavy Rain é um jogo (duh). Tem interação, regras (um conjunto de lógica), limites, conflito... Enfim, jogo. Porém, ele se utiliza de tantos recursos do cinema, além de apresentar uma experiência tão centrada na narrativa que tais elementos acabam se sobressaindo.
Uma das principais características dos jogos é seu fator emergente, resultante da complexidade de seus sistemas. The Sims é um bom exemplo (ainda que desperte outras questões, como a dualidade brinquedo/jogo, mas que não são pertinentes para a gente neste momento). Embora The Sims ofereça a possibilidade de contar histórias, no jogo de Will Wright não existe narrativa da maneira tradicional, isto é, um enredo com narrador, protagonista, antagonista, conflito, clímax etc. O que nós temos ali são possibilidades, milhares de possibilidades baseadas em um conjunto de regras de interação, que quando combinadas podem representar uma ou mais histórias para o jogador. Ele é livre para fazer o que bem entender com essas múltiplas possibilidades, e o resultado é uma experiência emergente, isto é, que emerge das ações do jogador – das quais faz surgir micro-histórias do cotidiano. Resumindo: The Sims traz uma experiência de jogo bottom-up, que nasce e cresce progressivamente (de baixo para cima) de acordo com as ações do jogador. Você pode jogar um milhão de vezes e todas as partidas serão únicas.
Há de se convir, porém, que as histórias de The Sims não possuem o apelo emocional ou a carga psicológica das narrativas tradicionais, como a literatura. Os personagens aqui são apenas agentes de interação, através dos quais os jogadores podem interferir no mundo do jogo como bem entenderem, e não personagens de fato, com medos, desejos, motivações, ambições, costumes, ideais. Os jogadores podem, inclusive, tomar decisões totalmente contraditórias e incompatíveis com seu personagem, como se apaixonar loucamente, casar e, minutos depois, romper o casamento, apenas por diversão. Um personagem redondo, complexo, criado com base nas emoções reais de um ser humano, jamais tomaria esse tipo de decisão – a não ser que estejamos falando da Britney Spears, mas aí não conta!
Em GTA acontece algo parecido. Aqui nós temos uma estrutura de jogo emergente, como em The Sims: um playground em que o jogador pode brincar com o espaço de possibilidades oferecido pelo jogo, ainda que os objetivos sejam mais claros uma vez que o jogo é guiado por um enredo. Portanto, se por um lado temos uma estrutura de jogo bottom-up (emergente), por outro, temos um enredo estritamente linear (a sequência de cutscenes) com personagens, situações e conflitos, criado a partir dos conceitos básicos de narrrativa, que delineiam nossa experiência e limitam nossas ações. As narrativas são, por sua natureza, top-down, uma vez que pressupõe-se que haja um narrador que narra os acontecimentos de uma trama, geralmente de forma linear, como todo e qualquer bom livro, conto, notícia ou filme – sem a participação do leitor, expectador etc., portanto, não emergente. É claro que sempre existem aquelas obras que tentam quebrar este paradigma ou brincar com as linguagens, mas não vêm ao caso.
A maioria dos jogos se encaixam nessa estrutura de GTA, mesclando uma experiência de jogo bottom-up (liberdade de ação, múltiplas maneiras de resolver um problema, exploração do espaço de possibilidades) com uma narrativa top-down (linear, autônoma). É aquela típica estutura “jogo > cutscene > jogo > cutscene”. E, tal como GTA, a maioria dos jogos nos apresentam histórias inconsistentes, uma vez que o personagem ora tem controle sobre si próprio (nas sequências de animação, tomando decisões por conta própria, sem a influência do jogador), ora é controlado pelo jogador. Portanto, as decisões do jogador são, obrigatoriamente, as decisões do personagem (por mais que elas não reflitam a real personalidade dele), mas nem sempre as decisões do personagem são compartilhadas pelo jogador.
Para facilitar o entendimento, um exemplo: durante as sequências animadas de GTA 4, temos acesso a um pequena porção do perfil psicológico do protagonista Nico Belic. Temos uma noção de seu caráter e sabemos que, por mais que ele seja corrupto e esteja envolvido com o tráfico e a criminalidade, ele, como um ser humano dotado de bom senso em sua realidade, jamais sairia dirigindo loucamente passando por cima de dezenas de humanos, atirando com sua metralhadora em velhinhas na rua e lançando granadas nas viaturas policiais. Ele sabe que, eventualmente, ele seria pego e passaria o resto de sua vida na cadeia. No entanto, é isso que você faz em boa parte do tempo em GTA. E mesmo que haja uma consequência para ações incoerentes com as atitudes, caráter ou senso de ética do personagem, nada te impede de continuar o jogo, pois elas são mínimas. Nada é irreversível.
Na verdade, a maioria dos jogos possui esse tipo de inconsistência de narrativa. É comum, por exemplo, nos RPGs, um personagem ser gravemente ferido ou morto com um único golpe durante a dramática sequência de animação que procede uma batalha envolvendo chuva de meteoros, invocação de deuses e paredes de fogo. Se não fosse inconsistente, o personagem morto simplesmente receberia um Phoenix Down e estaria tudo bem.
Eis que surge Heavy Rain nos propondo uma nova forma de narrativa para os videogames. Talvez não novo, mas definitivamente impactante. Em relação a GTA ou The Sims, o jogo da Quantic Dream tem um fator emergente mínimo, mas interessante por conta de sua multinearidade e centenas de micro ou macro-ramificações no enredo. Jogos centrados na narrativa geralmente oferecem uma experiência de jogo menos emergente, como os adventures, e isso significa, a grosso modo, menos liberdade para o jogador e possivelmente linearidade (que são as características básicas da narrativa). Portanto, jogos com um fator emergente baixo possuem um nível de replay equivalente. Embora a falta de emergência pareça ir contra os conceitos do bom game design, ela permite uma manipulação muito melhor dos elementos de narrativa. Heavy Rain, por sua vez, consegue mesclar narrativa com gameplay de forma interessante, mantendo a riqueza de uma história humana, contemporânea e realista sem tirar do jogador a liberdade de ações (e opções) ou a multilinearidade. Ele consegue estabelecer um equilíbrio entre narrativa (top-down) e videogame (bottom-up), façanha que poucos jogos conseguiram até hoje.
Absolutamente todos os jogos são focados em decisões – é uma característica básica do jogo. A diferença de Heavy Rain para todos os jogos é que aqui as decisões do jogador são irreversíveis e possuem impacto no desenrolar da trama. O jogador precisa se colocar na situação do personagem para tomar as decisões com base em seu ponto de vista. “O que você faria se...?” É basicamente um jogo de interpretação de papéis , um role playing game, porém sem aquela infinidade de números e estatísticas. Outros jogos já fizeram isso antes, é claro, como os RPGs da Black Isle, Mass Effect etc. Porém, Heavy Rain segue uma linha completamente diferente.
Heavy Rain é um dos poucos jogos a manter uma coerência entre narrativa e gameplay – até porque, os dois elementos se confundem. Suas decisões são limitadas às atitudes, caráter e estado de espírito e emocional de cada personagem. Portanto, o jogador não pode fazer o que bem entende o tempo todo, pois dentro da coerência da realidade do jogo, ele É o personagem. Na cena em que Madison encontra Ethan machucado e desmaiado e decide medicá-lo e cuidar de seus ferimentos, você (no controle de Madison) não pode dar um calmante para Ethan. A personagem te impede, dizendo que o remédio poderia ser perigoso no estado físico e psicológico do homem. Ela não quer matá-lo, mesmo que o jogador queira. Cenas assim são comuns em Heavy Rain, e fazem todo o sentido. A liberdade está lá, porém limitada às situações e ao ponto de vista dos personagens , afinal, eles são o centro da história. É isso que mantém o enredo consistente. Nós é que estamos mal acostumados com a sensação de domínio e controle absoluto que os jogos nos oferecem.
Ainda assim, Heavy Rain permite que o jogador brinque um pouco com as possibilidades. Na mesma cena, você deve decidir como tratar os ferimentos no braço de Ethan. Escolhi passar a pomada para queimadura (só para ver o que acontecia) nos machucados e, logo após o berro de dor e ardência de Ethan, Madison se desculpava, dizendo: “Como sou burra! É claro que não posso passar pomada de queimadura nas feridas!”.
Os quick time events, em uma análise de game design, existem justamente para que os desenvolvedores tenham controle sobre as ações do jogador. Desta forma, é possível que o jogo monitore seus erros e acertos em uma cena e lhe ofereça o resultado adequado para sua performance, mantendo a coerência da narrativa e a continuidade dos fatos, além de toda a carga dramática. É claro que seria bem interessante se o jogo te desse liberdade de controlar seu personagem durante as fugas, ou permitisse guiar o carro em tempo real na cena em que Ethan acelera na contra-mão. Mas já pensou o quão frustrante e difíceis esses momentos poderiam ser?
A proposta de Heavy Rain não é oferecer desafio ao jogador, seja ele casual ou hardcore. Do começo ao fim, é um jogo relativamente fácil. Não existe uma curva de dificuldade, o que pode soar esquisito para um jogo. Não conseguiu passar de um desafio do jogo? Tudo bem, a história vai continuar levando em consideração seu fracasso. É uma possibilidade de jogo, afinal. Em um bom roteiro, não existem personagens que só acertam. Sucesso e fracasso andam juntos, na vida e na ficção.
A ideia é envolver o jogador em um turbilhão de emoções, como se estivesse assistindo a um filme, sem grandes interrupções e com uma fluidez rara nos jogos. Capítulo a capítulo, o jogador vai desvendando fatos sobre os personagens e a trama de forma fluida e progressiva, sem nunca perder o interesse. Em minha experiência com o jogo, eu simplesmente não tinha vontade de parar de jogar. “Só mais esse capítulo”, eu pensava. Além da curiosidade em saber o que aconteceria em seguida, o que é natural quando você está imerso em uma narrativa e se importa com os personagens, o jogo lida com informação de uma maneira muito competente.
Me lembro do meu prazer em jogar Chibi-Robo, para Gamecube, há alguns bons três ou quatro anos. Era um jogo viciante, em que, no controle de um robozinho de brinquedo, você ia explorando a casa de uma família e a cada novo quarto, centenas de opções de interação se abriram ao jogador, algumas das quais davam continuidade ao enredo – bastante cativante também. O mesmo acontece com Heavy Rain. A cada novo episódio, além de você ir relevando novos nós da trama, que servem cono novas peças para um grande quebra-cabeça, há sempre uma série de possibilidades de interação, muitas das quais são totalmente opcionais, mas que também podem trazer novas informações ao jogador.
Por exemplo: há um capítulo no qual você ganha controle sobre um personagem logo após ele acordar de um cochilo. Você não tem objetivos claros, então passa a investigar a própria casa do personagem. Fuça nas gavetas, anda pelos ambientes, abre a geladeira, vai ao banheiro, faz xixi, etc. Embora as ações pareçam arbitrárias, em termos de narrativa elas revelam informações sobre o passado do personagem (encontrar uma fotografia antiga na gaveta), hábitos etc. Em outro momento do jogo, o jogador entra em uma situação de risco neste mesmo local, e caso ele não tenha explorado o ambiente anteriormente, ele terá muito mais dificuldade em saber o que fazer, uma vez que não haverá tempo para isso e você precisa fugir do local.
Existem outros elementos bastante instigantes na mecânica de Heavy Rain, porém, pretendo abordá-los num próximo texto, onde devo falar também de como ele lida com os elementos cinematográficos e roteiro. Melhor assim, por que o texto aqui já está longo demais. Portanto, até lá, jogue Heavy Rain. Compre, alugue, pegue emprestado, passe uns dias na casa do amigo que tem PS3... não importa como, apenas jogue ;)